O progresso nas cidades é algo que é impossível de se conter, porém deixa uma enorme saudade dos chamados “velhos tempos” para quem foi “testemunha ocular” de alguns antigos lugares marcantes. Também, associadamente à saudade, está o orgulho e a alegria pelo privilégio de tê-los conhecido. Quem passa hoje em dia pela rua ao lado do kartódromo, pertinho da Colônia Muricy e do aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais, talvez nem imagine que ali ficava um dos mais importantes e belos haras do PSI no Brasil. Já para quem o conheceu – o progresso local evoca memórias que despertam sentimentos.

Em 20 de janeiro de 1944 foi registrado no Stud Book Brasileiro esse centro de criação do puro sangue inglês que levava orgulhosamente o nome do nosso Estado – HARAS PARANÁ. Talvez possamos dizer que a criação paranaense possa ser dividida em antes e depois do Haras Paraná Ltda.

De propriedade do médico Dr. ALÔ TICOULAT GUIMARÃES e do engenheiro FARID SURUGI, o Haras Paraná ocupava uma área de 110 alqueires na Região Metropolitana de Curitiba. Dotado de excelentes instalações viria a se tornar um dos melhores e mais renomados criatórios no Paraná e no Brasil.

Dr. Alô Ticoulat Guimarães

Sua área estava totalmente aproveitada, com grandes piquetes de boas pastagens, 160 cocheiras (naquela época todos os animais eram recolhidos à noite), além de outras benfeitorias como casa sede, lagos, farmácia, picadeiros, casa para funcionários, etc. Na gerência geral estava HEITOR BERLEZE, homem de personalidade forte e de total confiança dos titulares do haras, e que, inclusive, foi quem escolheu e indicou a área onde deveria ser implantado o Haras Paraná. Heitor viveu e respirou o Haras Paraná em tempo integral, desde a sua implantação e consequente desenvolvimento. Como se diz na gíria – “ele se virava nos 30” -, fazendo de tudo um pouco para gerenciar todas as atividades dentro do haras.

Heltor Berleze e seu filho Duílio

Alô Ticoulat Guimarães, nascido em 1903 era bisneto de portugueses e neto de Manoel Antonio Guimarães (Visconde de Nácar) – vice-presidente da Província do Paraná, e a partir do comércio de erva-mate, considerado no século XIX, o homem mais rico de Paranaguá. Alô Ticoulat foi médico, político e professor. Na área médica especializou-se em psiquiatria e foi o diretor do Serviço Médico Legal do Estado do Paraná e diretor do Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz. Como político foi secretário de justiça, prefeito, deputado federal e senador da República.

Turfista acima de tudo, Alô Guimarães entrou para a criação de cavalos de corrida incentivado pelo amigo e governador à época – Manoel Ribas. Como senador da República conseguiu aprovar a Lei do Turfe, onde 10% dos prêmios seriam destinados aos criadores dos animais vencedores. Foi também presidente do Clube Atlético Paranaense e do Clube Curitibano. No turfe foi presidente do Jockey Club do Paraná, tanto no Guabirotuba quanto no Tarumã em várias oportunidades. Grande estudioso no assunto turfe & criação, foi o importador do extraordinário reprodutor inglês FAIR TRADER.

Já o curitibano Farid Surugi, cunhado de Alô Ticoulat Guimarães, pois era irmão de Dona Nazira – esposa de Alô – foi um engenheiro e empresário muito respeitado em Curitiba. Proprietário da “Empreiteira Farid Surugi” – foi o construtor dos dois maiores prédios da época em Curitiba – O edifício sede da Telecomunicações do Paraná S/A – Telepar, hoje Palácio das Comunicações; e o prédio do Shopping Itália. Curitiba, inclusive, abriga um prédio no centro da cidade que leva o nome de Edifício Farid Surugi.

Enquanto Alô Guimarães era mais dedicado ao plantel, Farid Surugi cuidava mais da parte administrativa do haras.

                        FARID SURUGI

O Haras Paraná possuía uma média de 40 a 50 matrizes nacionais e importadas de correntes sanguíneas variadas em seu plantel. Naquela época a procura por seus produtos era muito grande e os potros eram comercializados, muitas vezes, ainda no ventre das éguas. Embora um negócio de risco havia certo “acordo de cavalheiros” onde caso não houvesse prenhez confirmada ocorria uma substituição com outra “barriga” das éguas do haras. Muitas boas éguas fizeram parte do plantel do Haras Paraná entre elas Urutá, mãe do extraordinário “Cavalo de Ferro” Riadhis.

Além de Fair Trader (ING), muitos reprodutores lá estiveram alojados, entre eles, Hurcade (BR), Zorron (BR), Pien (BR), Cumelen (ARG), Pinhal (BR), Indian Classic (USA), Zabay (USA), Grand Pardal (ARG), Diamon (BR), e outros. Com uma média de cinco garanhões alojados por temporada, o Haras Paraná era muito procurado por criadores da região que desejavam os serviços de seus reprodutores, o que muito fomentou a criação paranaense.

O nacional PINHAL (1959 – Fair Trader-GB e Jelgava-FR por Jock-FR) de criação do próprio Haras Paraná, considerado o “Rei da Velocidade” em sua época, e posteriormente levado à reprodução no haras em que nasceu, foi o inesquecível e importante garanhão que passou pelo Haras Paraná, sendo produtor de mais de 120 produtos ganhadores, como o líder de geração em Cidade Jardim Blessed Garden.

PINHAL, a estrela do Haras Paraná (foto T&F).

Esse haras foi uma “indústria” de bons animais, como os Tríplices Coroados Paranaenses BASTILHA (1948), KAKI (1957), PIEN (1963) e SHANDÔ (1965). Além desses campeões, o haras também foi o criador de muitos outros bons cavalos, entre eles a “Rainha das Éguas” do Paraná, chamada IBIPORÃ, considerada até hoje como uma das melhores éguas de todos os tempos no Paraná; ERÂNIO, excelente cavalo clássico da década de 50, vencedor de 12 provas seguidas, e um dos melhores do Paraná em sua época; QUIBOR, vencedor do Derby Paulista de 63; NICOLAI ganhador de 14 provas (G2), considerado em seu tempo como o melhor milheiro da pista de areia de Cidade Jardim; ZUILO, líder de geração em Cidade Jardim; BEIRÃO, ganhador do GP PR de 1974; JULIPA – ganhadora de 11 provas, entre elas o GP OSAF (G1) e IRISH ROSE-clássica (G1).

BEIRÃO, vencedor do GP PR 74

Lembro-me de algumas visitas que fiz ao Haras Paraná no final da década de 70 e início de 80, onde conheci Dr. Alô, Seu Heitor e sua família – sempre na companhia de meu pai, que foi bom cliente do haras, selecionando e adquirindo alguns potrinhos. Recordo que adquiriu EGMONT (1972- Pinhal e Strep Tease por Pintor Lea-USA) vencedor de 10 provas em Cidade Jardim – recordista até hoje dos 1000 metros na areia; também JUCAR (1976 – Pinhal e Lisea por Cigal-GB) – ganhador clássico de sete vitórias; KATONGA (1977  – irmã própria de Jucar), ganhadora de oito provas em doze corridas; e a ganhadora clássica de sete vitórias MARESCA (1980 – Kelelê e Gayane por Pinhal), entre outros.

DUILIO BERLEZE, filho de Heitor Berleze, nascido no próprio Haras Paraná, recebeu seu diploma de Médico Veterinário em 1973, e passou, então, a trabalhar ativamente como responsável técnico do haras, sendo peça fundamental também na comercialização dos potros em outros estados, permanecendo até o final das atividades do haras.

Dr. Duílio Berleze e o recordista EGMONT

Farid Surugi faleceu em 1965 e, após algum tempo, seu genro Lincoln Thiago Tarquínio assumiu parte do Haras Paraná de maneira administrativa, e em pouco tempo procurou dotar o haras com novos sangues. Diferentemente do conhecido conservador Alô Guimarães, um verdadeiro apaixonado por cavalos, Lincoln tentou introduzir mudanças com a aquisição de novos ventres e reprodutores, como o argentino Grand Pardal (1972 – Pardallo-Arg e Fiorentina-Arg por Tatan-Arg), procurando dar um equilíbrio financeiro ao haras.

O Haras Paraná esteve ativo na criação de 1944 a 1985, ano do falecimento do Dr. Alô Ticoulat Guimarães. Assim, 41 anos após a sua fundação, chegou ao fim um dos mais extraordinários haras de criação do PSI no Paraná.

Na sequência, o Haras Paraná foi arrendado ao Stud Elle Et Moi, de Antônio Claudio Assumpção; e em 1992 e 1993 meu pai arrendou o espaço para recriar 25 potros naquelas belas terras. Logo a seguir, toda a área do haras seria comercializada pelos herdeiros de Farid Surugi e Alô Guimarães, onde hoje vemos, claramente, que o “progresso” chegou forte, mas não “atropelou” a nossa poética memória!

O menino Duílio Berleze no Haras Paraná

galopando.com.br

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