Semanalmente, aos sábados, nos reunimos para o café da manhã na magnífica cocheira do Haras Belmont Ltda, em Curitiba. Após o café, ficamos conversando principalmente sobre o turfe até mais de meio-dia. Há anos, normalmente apenas o anfitrião Dante Franceschi, o veterinário Dr. Duílio Berleze, o criador Homero Oliva e este que vos escreve eram os que ficavam até mais tarde. Eu, o mais novo dos quatro, me deliciava com as discussões acaloradas, onde um falava, o outro contestava; muitas risadas, e principalmente com as aulas que recebia dos três MESTRES em turfe – e também com as boas histórias, em especial as narradas pelo professor Homero Oliva.

Homero Pinhatari Oliva sempre foi nacionalmente reconhecido como um dos mais importantes turfistas paranaenses de todos os tempos, onde com grande conhecimento, atuação política e opiniões influentes no turfe brasileiro, defendeu com diplomacia, porém com grande força e entusiasmo, o turfe do Paraná. Frequentador dos maiores hipódromos do mundo, com toda a experiência adquirida contribuiu significativamente para o progresso de nosso turfe, exercendo vários cargos nas diretorias do Jockey Club do Paraná, tendo inclusive, com a sua grande ingerência e prestígio no meio, viabilizado a implantação do antigo “Posto de Fomento”.

Homero Oliva

Seo” Homero – “o poeta”, como eu o chamava numa expressão inerente ao fato de carregar o nome do grande poeta épico da antiga Grécia, também tinha várias “tiradas” poéticas; e era um bom contador de histórias. Esta importante personalidade iniciou no turfe em 1958, e com o seu Haras H.Oliva, localizado no Município de Porto Amazonas, vizinho ao Haras Valente, criava apenas 3 ou 4 produtos por ano, mas com ótimos resultados.

Batizando suas gerações seguindo o alfabeto, o haras conseguiu completar dois alfabetos inteiros e no terceiro alfabeto chegou à letra “B”.  De suas diminutas gerações citamos o ganhador de Grupo 1: KENTUCK’S STORY (1997 – Emmson-IR e Story por Executioner), a ganhadora de Grupo 2: DAY-OF-GLORY (1990- Minstrel Glory-USA e Story) , além dos também ganhadores clássicos KING SUPREME (1997 – Emmson–IR e Supreme por VacilanteARG), HOLLY (1968 – King Charming-GB e Etaple por Good CherGB), BREEDER’S CUP (1988 – Sail ThroughUSA e Story por Executioner), GUIZO (1967 –Silfo e Etaple por Good Cheer-GB), e os bons ganhadores MELODY BLUES (1973 – Hibernian BluesGB e Bethesda por Mehdi-USA), LADY CHATTERLEY (1972 – George Raft-USA e Timonette por Timão), EN COURSE (1991 – ManiataoARG e Hasta Pública por Lunard), XIS LIBRA (1984 – Manacor e Queen Iria por Bonjardim), entre muitos outros.

Quanto ao ganhador clássico GUIZO, citado acima, em novembro de 1971, o jóquei dos cavalos da Rainha da Inglaterra Elizabeth II, a lenda mundial Lester Piggot, em visita ao Brasil, montando na Gávea em vários páreos, obteve uma única vitória brasileira em seu currículo, onde “desencabulou” justamente no dorso de GUIZO de criação de Homero Oliva.

GUIZO, com Lester Piggot “up” em 1971

Mas o principal animal criado pelo Haras H.Oliva foi ORIENT EXPRESS (1975 – Milord e Ercira por Código) ganhador de Grupo 1, líder de geração e vencedor da Taça de Prata de 1978, na época a maior dotação do país. Poderia falar muito sobre este belíssimo animal, já que também teve vínculo com meu pai. Mas preferi deixar que o bom contador de histórias Homero Oliva narrasse a trajetória do conhecido “Gato de Botas”, reproduzindo a seguir uma boa história publicada por ele em 2008.

Homero Oliva e Atilio Irulegui com as Taças de Prata – 1978

O GATO DE BOTAS

Combinamos eu e o Dr.Antonio Acyr Breda de escolher a meu gosto uma reprodutora, cujo produto nascido fosse criado em meu haras para nós. Demorei em encontrar a égua que nos servisse, até que um dia surgiu a possibilidade de comprar a égua ERCIRA, do Sr. Willian Mussi (Haras Rio Verde).

ERCIRA estava prenha do MILORD, que já produzira dois Derby Winners. Ela era filha de CÓDIGO (Swallow Tail e Oélia por King Salmon) que já havia produzido COMPUTADOR e outros bons animais; e de ANINGAAÇU, que de sua linha baixa remontava a ANTE DIEM, a principal égua base do turfe argentino e que também havia produzido os excelentes DON CACHOLA, DAMA NATALINA e DON VALENTIM, ganhador clássico em Cidade Jardim.

Como ERCIRA teve boa campanha, principalmente em São Paulo, achei que o somatório dessas qualidades devia resultar em alguma coisa boa, o que realmente aconteceu. Desta cruza nasceu o ORIENT EXPRESS, que em carreira pesava 490 quilos; pernalta, calçado alto das quatro patas, cognominado pela imprensa paulista de “O Gato de Botas”.

Como a criação fora concluída, consultei o Dr. Breda, se corríamos ou se vendíamos. Resolvemos que só seria vendido se tivéssemos um alto preço.

Sabedor que o lendário Sr.Atílio Irulegui gostava de filhos de MILORD pelo fato de ser um bom reprodutor e por ter sido ele quem trouxe da Argentina a égua CONFIADA, mãe do MILORD para o Senador Alô Guimarães, resolvi procurar o “expert” João Carlindo, que estava selecionando e comprando alguns animais para o seu Atílio. Convidei-o a conhecer o potro e Carlindo muito conhecido pelo seu invejável “olho clínico” ficou encantado com o potro, e quando lhe disse por que o procurei e de quem era filho o ORIENT EXPRESS, ele me pediu o preço que na época era bem alto. Carlindo disse-me então: – “Se o Sr. Atílio não ficar, eu fico”.

O Sr. Atílio o comprou e o levou para o Walfrido Garcia, seu treinador em São Paulo, que foi quem o treinou. Jorge Garcia foi o jóquei escolhido e o único a pilotá-lo durante toda a sua campanha, inclusive tendo vencido em suas primeiras provas de Grupo 1 com este animal.

ORIENT EXPRESS estreou em 1000 metros, distância contrária ao seu pedigree, porém havia agradado nos trabalhos. Não foi bem, chegando apenas no 4º lugar. Correu mais uma vez em 1000 metros, chegando novamente no 4º lugar, e então surgiu a razão de nessas duas corridas não ter feito o esperado: um sobreosso na canela. Retornando correu prova comum em 1600 metros na areia, vencendo a BALEAL (Derby Winner) por mais de dez corpos. Correu a seletiva da Taça de Prata, e quase caiu na curva, assim mesmo chegou em 3º lugar, conseguindo a classificação para a final. Daí para frente não mais perdeu. Venceu três provas de Grupo 1 sendo a Taça de Prata, O Ipiranga e o Jockey Club de São Paulo. Ao se preparar para o Derby Paulista, onde antecipadamente era o favorito, mancou do tendão nunca mais correndo.

Esta introdução seria apenas para que os novos turfistas soubessem quem foi o ORIENT EXPRESS. Agora vem o motivo principal em narrar um fato ocorrido:

Quando o ORIENT EXPRESS venceu a Taça de Prata, eu na condição de pequeno criador resolvi fazer um churrasco em minha fazenda, convidando todos os turfistas de nosso Estado do Paraná. Nesta época um cavalo havia despontado como líder de geração em São Paulo, invicto e que vinha de vencer o GP Juliano Martins “Au Petit Galop” e que se chamava RIADHIS, vulgo “O Cavalo de Ferro”, também paranaense. Durante a comemoração do feito do ORIENT, alguns turfistas disseram-me que no GP Ipiranga iria correr RIADHIS, e que então, o páreo já teria vencedor.

Humildemente, porém chateado, concordei com eles, porque na realidade, a empreitada era quase impossível. Comentei que uma colocação para o ORIENT já estava muito bom.

Cada vez que vinha na “Boca Maldita” os que me encontravam vinham com o mesmo assunto, e eu humildemente concordava, porém o “caroço de abacate” já estava entalado na minha garganta.

No dia do Ipiranga, estava eu, minha esposa, os amigos Maria Thereza e Luiz Moniz de Aragão na primeira fila de mesas da arquibancada social. Eu era uma pilha de nervos.

Largou o páreo, na ponta AFRICAN BOY (Tríplice Coroado Carioca), RIADHIS largou em 5º e logo passou para 2º; ORIENT EXPRESS corria em 8º na curva. Na reta BUVANT e RIADHIS atacaram AFRICAN BOY; Nos 400 metros finais RIADHIS superava BUVANT e fugia para o disco. Nos 300 finais RIADHIS folgava mais e parecia já estar com o páreo ganho. O público levantou e já aplaudia RIADHIS quando, então, ORIENT EXPRESS iniciou sua atropelada. Com seu “galão de girafa” ORIENT EXPRESS descontava, e então minha voz de barítono ecoou pelo prado: – “Ainda não, ainda não” bradava sem parar. Nos últimos 100 metros RIADHIS ainda tinha dois corpos de vantagem e então bradei novamente: – Ainda não, que tem muita lenha pra queimar”. Logo que Jorginho Garcia emparelhou com aquela sua calma britânica, o Ivan Quintana, jóquei de RIADHIS se desesperou, batendo de direita, de esquerda e foi na orelha. ORIENT EXPRESS, sem apanhar (pois nunca apanhou), sacou virilha no disco.

Os mesmos que levantaram para aplaudir RIADHIS ficaram em volta de mim, me cumprimentando, me abraçando, dizendo que nunca tinham ouvido uma torcida igual aquela. E aí, então, o “caroço de abacate” desentalou da minha garganta. – (Homero Oliva).

ORIENT EXPRESS vence RIADHIS no GP Ipiranga-G1

Infelizmente, o mestre Homero Oliva, desde 2018, não está mais fisicamente participando do tradicional “café de sábado”, contando suas histórias e trabalhando pelo turfe. Assim, como as epopeias “Ilíada e Odisséia” do poeta Homero fizeram dele uma referência na cultura dos gregos antigos; o nosso HOMERO, com sua  pequena, porém vitoriosa criação, se tornou uma referência como fonte de conhecimento no meio turfístico nacional – onde provou que para ser um GRANDE CRIADOR não significa necessariamente possuir um grande plantel.

Para nossa alegria o Haras H.Oliva ainda continua firme e participativo no turfe brasileiro, seja nas canchas-retas ou nos hipódromos oficiais, agora sob a batuta do filho de Homero Oliva e nosso amigo Henrique, que inclusive, atualmente, é proprietário do BUBBLY RAIN, um dos grandes fundistas do Brasil.

Henrique Oliva Neto

BUBBLY RAIN (foto: Porfirio Menezes)

Que outros “Gatos de Botas” possam surgir para o amigo Henrique Oliva Neto, que segue colocando essa tradicional e gloriosa farda “azul e branco em xadrez, mangas e boné vermelhos” em lugar de grande destaque.

 

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