Qual seria a definição de um haras completo? Seria um haras que incluísse todas as instalações necessárias para a criação e reprodução de cavalos? Talvez aquele haras que, além disso, criasse campeões de exposições ou de provas de velocidade ou quem sabe clássicos de fundo? Ou porventura aquele que tenha criado animais nessas três categorias, vencendo com sua farda exposições, importantes pencas e até mesmo uma Tríplice Coroa?
Certamente poucos haras se “encaixariam” em todas essas categorias ao mesmo tempo e, como a nostalgia não poderia ficar longe desta coluna, hoje ela lembra um desses “haras completos”. O HARAS PALMITAL – e seu titular ANTÔNIO JORGE RIBEIRO DE CAMARGO.
Conheci o Dr. Antônio Jorge Ribeiro de Camargo em sua residência, entre 1976 e 1977, quando fui procurá-lo, a pedido de meu pai, em busca do documento de um animal. Eu, ainda garoto, fui muito bem recebido por ele, que com simpatia e cordialidade me entregou o documento, e não me deixou sair antes de tomar um refrigerante e conversamos por quase uma hora. Claro que o assunto foi CAVALO, onde pela sua conversa educativa e animada já fiquei simpático a esse médico e seu haras.
Dr. Antônio Jorge Ribeiro de Camargo
O Haras Palmital surgiu na década de 30, criado pelo comerciante Epaminondas Santos que instalou, na Região Metropolitana de Curitiba – Município de Piraquara, com área de 90 alqueires, em terras de Palmital – margeando a Estrada Graciosa no Km 12 – um haras para criação do PSI e que foi batizado, então, de Haras Palmital.
Naquela época, as suas éguas usavam os serviços dos reprodutores do Estado, que com incentivo do interventor e governador do Paraná – Manoel Ribas, ficavam alojados na Fazenda do Canguiri. Dessa forma já obteve bons resultados. A seguir trouxe o rebelde reprodutor VICTOR HUGO-GB (1946) por Mieuxce(FR) e Badr-ul-Molk (FR), e na sequencia, junto com o Haras Valente, importou ANGÉLICO-GB (1946) por Nearco (ITY) e Angelus (GB). Infelizmente, pouco tempo depois, Epaminondas Santos faleceu; seu genro Antônio Jorge Ribeiro de Camargo recebeu o haras e sua administração.
Antônio Ribeiro de Camargo era médico conceituado, diretor do Hospital São Lucas, em Curitiba, e como não tinha nenhuma experiência na criação do PSI – porém muito inteligente – foi procurar de início estar bem assessorado para continuar com o haras em atividade. A partir daí estudou bastante, viajando pelo mundo, observando grandes haras, linhagens, cruzamentos, pastagens, etc., sempre procurando estar atualizado sobre o turfe; e trazendo novidades para o haras que já contava com 40 reprodutoras nacionais e importadas. A assessoria veterinária estava a cargo do Dr. Heliodoro Antônio de Oliveira Duboc.
Haras Palmital – vista aérea (1974)
Com indicação importou o cavalo CIGAL – GB (1958), filho de Alycidon – GB e Cabriole – FR, que mancou no início do treinamento em seu país de origem, não tendo campanha, mas tinha bom tipo e ótima linhagem para ser reprodutor, pois seu pai foi um dos maiores corredores ingleses de todos os tempos e pai de reprodutores de sucesso; e sua mãe considerada a égua mais veloz da Inglaterra em sua época.
CIGAL chegou para cobrir, entre outras, as filhas de Angélico. E o seu resultado no haras foi muito bom, pois com escassa produção média de 10 produtos nascidos por ano, produziu ótimos animais clássicos como GAUCHINHA LINDA (G1), ORFF (G1), OAGI (G1), OZU (G2), SANDSTORM (G1), NORNE (G1), BARA (G1), LUNARD (G1), PEPONE (G2), OTRANTO (LR), ZANOQUINHA, GIRL, entre outros.
CIGAL
Em 04 de setembro de 1964, num típico “cruzamento Palmital”, – Cigal – em mãe Angélico (Unista) – em mãe Victor Hugo (Lendária)- nascia no haras o sensacional GIANT (1ª geração de Cigal), que ainda potrinho foi o Campeão Geral da VIII Exposição de Potros Paranaenses em 1966, e após estrear com vitória no Clássico Criadores de 1967, no Tarumã, venceu também, entre outros, o GP Ipiranga (1609 metros), Derby Paulista (2400 metros) e Consagração (3000 metros) em Cidade Jardim, se transformando num dos tríplices coroados paulistas da história – uma façanha significativa sonhada por muitos – porém conquistada por poucos criadores.
Interessante destacar que entre o GP Ipiranga e o Derby Paulista, GIANT também venceu – apenas 10 dias antes do Derby – o GP Jockey Club de São Paulo (2000 metros), que ao contrário de hoje, não fazia parte da Coroa. Portanto se fosse como hoje, esse magnífico cavalo teria sido QUÁDRUPLO COROADO PAULISTA!
GIANT fechou sua campanha com nove vitórias em 12 corridas e seguiu para a reprodução, no haras em que nasceu, produzindo campeões de grupo como a líder URBE (G1), VON JURAÍ (G1), BE A CHAMPION (G2), ORLANDO (G2), TREICY (G2), OEIRANA (G3), BIORAMA (LR), CORUMBÁ (G3), GRITO FORTE (G2), NOGI (G2), entre outros.
GIANT, ainda potrinho, na Exposição de 1966.
O Haras Palmital trouxe ainda os reprodutores KING’S CATCH-GB (1968), pai – entre outros – dos líderes TATSU (G2), TEREZA MARIA (G3) e QUERANDI (G1); – e RIBOSON-GB (1971), pai dos clássicos VAN BALI (G2), VAN ANGELA (G2), GRAND RIBOT, GRAND LINK, GRAN CICLONE.
Após vencer com GIANT uma das provas mais longas do turfe brasileiro em 3000 metros, Antônio Jorge de Camargo resolveu apostar também nas pencas. Em cruzamentos desenvolvidos 100% dentro do haras, o resultado não poderia ter sido melhor: Venceu com NORNE (Cigal-GB e Rhetoric-GB por Consuel-GB), em 1974, a primeira penca disputada no Tarumã (GP Primeiro Centenário do JCPR); e em 1975 e 1977 repetiu no GP Turfe Paranaense com os posteriores líderes de geração OEIRANA (Giant e Rhetoric-GB) e QUERANDI (King’s Catch-GB e Jassa por Cigal).
Os médicos Francisco Boscardim e Antônio Ribeiro de Camargo com OEIRANA – Jóquei V.Matos.
Numa ligação próxima entre a medicina e o turfe, Antonio Jorge Ribeiro de Camargo, embora com cocheira própria em Cidade Jardim e Gávea, segundo ele, para evitar a poluição sobre os seus animais em treinamento, mantinha a maioria deles em suas cocheiras no Tarumã aos cuidados de Rubens Gusso e José F. Santos, levando-os inscritos aos outros hipódromos em caminhão próprio. Naquela época já estava bem atento ao bem-estar animal.
Assim, o Haras Palmital conseguiu grande sucesso nas décadas de 60, 70 e início de 80 – obtendo mais de 800 vitórias, dos 700 aos 3000 metros, usando em sua grande maioria, os serviços de garanhões próprios em cruzamentos com suas éguas importadas ou nascidas no haras. Também era um haras que raramente vendia algum produto, sendo defensores da sua farda branca, bolas e boné azuis.
A última geração do Haras Palmital nasceu em 1985 na qual estava PALM-CIGAL (Endeusado e Tereza Maria por King’s Catch-GB) – clássico grupo 1 e um recordista em número de vitórias (23 vitórias).
Com o desaparecimento de seu titular, o Haras Palmital deixou de existir. No final dos anos 80, e por algum tempo, a área passou a ser utilizada pela OLD WESTBURY FARM, que inclusive ficou com vários animais do antigo haras. Porém, como já temia o Dr. Antônio Jorge Ribeiro de Camargo naquela época, a área do Haras Palmital foi toda envolvida e absorvida pelo progresso. Porém a sua memória e de seu haras serão eternas pelos grandes resultados; pela sua colaboração ao Jockey Club do Paraná, do qual foi conselheiro; e sua dedicação e competência para elevar a criação paranaense ao mais alto grau, com excelente trabalho na presidência da Associação de Criadores e Proprietários de Cavalos de Corrida do Paraná.
Haras Palmital – Mais um haras que certamente receberia a honraria de estar no Hall da Fama do Turfe Paranaense (se existisse um…). Entretanto, aqui o celebramos pelo histórico excepcional de sucesso e pela significativa contribuição ao turfe do Paraná e do Brasil.
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Excelentes estes historicos.
Tive a honra de supervisionar os craques do Haras Palmital em São Paulo sob o Treinamento de Jairo Borges
Excelente história.
Ótima idéia a do Hall Of Fame do Turfe Paranaense!!