A Raça Puro Sangue Inglês

As origens do cavalo se perdem nos tempos; as corridas se constituíam em um divertimento dos senhores das terras (Land Lords) aos quais, as atividades de suas isoladas fazendas não lhe permitiam grandes perspectivas de passarem os domingos e feriados de maneira mais alegre. Assim, faziam correr seus animais pesados e carentes de velocidade; estas corridas por volta de 1500 eram tidas em alta conta, a tal ponto, que Henrique VIII as oficializou e criou leis especiais de proteção a raça equina (1540-1550). Cada um dos vários milhões de animais Puro Sangue Inglês, ao redor do mundo atual, deve suas origens a um grupo relativamente pequeno de criadores britânicos.

Eram este criadores que nos séculos 17 e 18 começaram com o cruzamento de cavalos nativos em éguas importadas da Espanha, Turquia e Itália. É impossível determinar exatamente quando o Puro Sangue Inglês desenvolveu-se, mas por volta de 1600 a 1750, reprodutores orientais, árabes, berberes e turcos foram importados, com o propósito de incrementar a velocidade dos cavalos utilizados, para o popular esporte das corridas; e três dos 174 reprodutores importados tornaram-se famosos pela sua contribuição na formação da raça; no caso: DARLEY ARABIAN, GODOLPHIN BARB (ou Arabian) e BYERLEY TURK, os quais, incorporados na reprodução em diferentes épocas, mediante intensa consanguinidade, produziram em última instância o moderno cavalo Puro Sangue Inglês, chegando-se aos seus descendentes: ECLIPSE (ramo Darley Arabian), MATCHEN (ramo Godolphin Barb) e HEROD (ramo Byerley Turk), cuja atuação na criação constitui-se no ponto de partida básico da raça.

Darley Arabian

Os produtos destes cruzamentos eram significativamente bem menores que a vasta maioria de Puro Sangue Inglês de hoje. O grande ECLIPSE, um descendente macho da quinta geração de DARLEY ARABIAN, nasceu em 05 de abril de 1764 no dia do eclipse solar, motivo de seu nome; criado pelo Duque de Cumberland, William Augustus, (Cranbourne Lodge Stud) foi considerado a estrela do Puro Sangue Inglês. Era filho de Marske e Spiletta, excepcionalmente alto, com 1,68m; talvez o mais famoso cavalo de corridas da história. Após a morte do Duke, em outubro de 1765, seu Stud foi dispersado em um leilão realizado por Richard Tattersall, ECLIPSE foi comprado por William Wildman por 75 guinéus; em 1769 Dennis O’Kelly comprou sua metade por 650 guinéus e mais tarde comprou o restante por 1.100 guinéus. ECLIPSE começou a correr em 1769, ganhou 11 King1s Plates, provas que se corriam em etapas de 6.400m; e os jóqueis iam com 76 quilos; ECLIPSE só começou a correr com 5 anos, e foi invencível, ganhando as 26 corridas que disputou, sem nunca ser chicoteado ou incitado durante as disputas.

Godolphin Barb

Uma das mais célebres frases dos anais das pistas de corridas britânicas: “Primeiro ECLIPSE, depois nenhum outro”, foi criada pelo seu proprietário, um irlandês de fama duvidosa, chamado Dennis O’Kelly, quando lhe pediram previsões sobre o resultado de sua primeira corrida. Naqueles dias, um cavalo derrotado por uma distância de 220m não se classificava oficialmente e quando ECLIPSE ultrapassou seus rivais no primeiro quarto de distância, o temerário pronunciamento de O’Kelly revelou-se acertado.

Esboço do Professor do Colégio Veterinário de Londres, Charles Vial de St. Bel, após autopsia de ECLIPSE, determinando sua altura em 1,62 “hands” e sem pretensões artísticas o desenhou, diferentemente dos outros desenhos geralmente vistos. ECLIPSE possuía na anca, uma mancha escura que transmitia a seus descendentes, e cogita-se que hoje em dia, cavalos alazões com manchas escuras na pelagem, sejam da linhagem de ECLIPSE.

Eclipse

Estes primeiros animais Puro Sangue Inglês, participaram em competições de corridas, principalmente ao redor de 4 milhas e possuíam a influência da estamina do sangue árabe em seus cruzamentos. As corridas de cavalos tornaram-se a atividade favorita do rei da Inglaterra, King Charles II. Motivo pelo qual até hoje se atribui a este esporte, como o “Esporte dos Reis”.

No último trimestre do século 18, a natureza das corridas mudaram, com a implantação do St. Leger, Oaks e Derby, em menores distâncias; dando-se ênfase, para se correr aos 2 e 3 anos de idade.

Byerley Turk

Era a habilidade de ECLIPSE, para gerar uma progênie adaptada ao ênfase desta nova fase, o que o fez um excelente reprodutor, ao ingressar na reprodução em 1771, no Stud Clay Hill, perto de Epsom, onde ficou até 1788, quando foi transportado por uma carroça puxada por parelhas até as dependências do O’Kelly’s Cannons Park Stud em Stanmore; sua cobertura foi vendida a 50 guinéus no primeiro ano, e mais tarde variou entre 25 e 30 guinéus; ECLIPSE consagrou-se através de 334 filhos, três dos quais ganharam a prova máxima do turfe britânico, o Derby. Descendente de DARLEY ARABIAN, sua linhagem continuou através de POT-8-O’ S e KING FERGUS, destacados exemplares, dos quais o primeiro deu origem aos ramos de HAMPTON, SWINFORD, BEND’OR, ORMONDE, PHALARIS e ROCK SAND; enquanto KING FERGUS destacou-se com o ramo SAINT SIMON.

ECLIPSE, nunca foi campeão das estatísticas na época, todavia a secundou onze vezes entre 1778 e 1788; ECLIPSE morreu em 1789 acometido de cólicas no Cannons Stud.

POT-8-O’ S

Foi no tempo de Carlos II, que houve um grande impulso na Inglaterra, país onde se vem praticando corridas de um outro tipo, desde a ocupação romana. Os romanos herdaram a paixão dos gregos, já que nos jogos olímpicos de 642 AC se incluíram corridas de cavalos (quadrigas). Vale mencionar aqui, que as olimpíadas da antiguidade terminaram no ano de 369 DC. Por força das autoridades cristãs, que ajudaram o imperador Trajano II a se manter no poder e exigiram em seu reinado a extinção de festas pagãs. As olimpíadas da antiguidade eram sobretudo festas e por isto consideradas então como pagãs. Sobre as corridas celebradas na Grã Bretanha antes do século XVI existem poucos dados. Eram simples passatempo de cavaleiros, em que um nobre enfrentava com seu cavalo, um outro, era a forma em que punham à prova seu domínio da lança e da espada nas contendas. Antes do reinado dos últimos TUDOR e os primeiros STUART se estabeleceram criatórios reais em Hamptom Court, Tutbury e outras localidades, que se dispersaram quando Oliver Cromwell tomou o poder, depois da primeira revolução inglesa.

Com a restauração, chegou o rei Carlos II, um homem apaixonado, entre outras coisa, pelas corridas de cavalos; promoveu o esporte ao redor da pequena vila de Newmarket, Suffolk, onde seu avô Jaime I havia construído um albergue de caça e onde seu pai, Carlos I havia concedido a primeira taça em 1634. Carlos II foi tão entusiasta competidor, como organizador e se serviu de sua autoridade real para organizar carreiras, estabelecer regras e arbitrar disputas. Até então, a maioria das corridas haviam sido provas para dirimir contendas entre os nobres. O rei incentivou a adição de prêmios especiais, taças ou dinheiro, que deviam ser disputados em terrenos mais extensos e os terrenos planos que rodeiam Newmarket mostraram-se perfeitos para as provas de 6,4 km ao galope, a que submetiam os cavalos. Isso feito, não era só questão de distâncias; a maioria dos prêmios se decidia ao término de 3 ou 4 enfrentamentos, separados por cerca de meia hora.

Até aquele momento, os cavalos que participavam das corridas eram quase sempre de raças nativas, e o mais provável é que se diferenciassem pouco das montarias que transportavam seus proprietários todos os dias. No norte do país se criavam pôneis muito rápidos chamados “Galloways”; a Irlanda contava com seus “hobbys”. A partir do reinado de Elizabeth I, começaram a importar mais e mais cavalos, no princípio da Espanha e Itália, que iam para os criatórios reais ou de pessoas abastadas. Entre estas últimas, destaca-se um dos melhores conhecedores e cavaleiros da história, William Cavendish, Duque de Newcastle, que tinha predileção pelas raças espanholas.

Aqueles exemplares importados, junto com os que chegaram mais tarde do norte da África e do leste do Mediterrâneo, os chamados Berberes, Turcos e Árabes, obtiveram pouco êxito nas corridas, mas seu sangue, mesclado com as estirpes nativas, iria influir poderosamente na história do cavalo. – Ainda no reinado de Carlos II, entre 1660 e 1685, foram adquiridas éguas reais (Royal Mares0, procedentes da Barbária, para serem padreadas por estes garanhões árabes, e seus produtos revelaram-se excelentes corredores e dispersaram-se por todo o reino unido; proporcionando assim ao estabelecimento do Puro Sangue como raça.

Na formação do cavalo Puro Sangue Inglês entraram 3 tipos de cavalos orientais; o cavalo Puro Sangue Árabe ou Turco, classificado por Pietrement como “Equus caballus aryanus” ou orientalis; a sub-raça Nedjed, do deserto da Arábia e o Barb, também conhecido como Bérbere, Mongólico e Mongol, originário da Ásia Central. O Barbo, em época remota foi levado para a África, talvez antes da entrada do cavalo árabe nesta região, Pietrement, dá-lhe o nome de “Equus caballus africanus”.

O primeiro a chegar foi o turco BYERLEY, nascido em 1680, e deve seu nome a seu proprietário, um tal coronel Byerley, que o havia arrebatado aos turcos durante a batalha de Buda (Hungria). Ao longo de vários anos de guerra, e mais tarde, quando se retirou da vida militar em 1690, o destinou à reprodução. Os potros nascidos diretamente de BYERLEY alcançaram pouco renome, mas seu bisneto seria o cavalo de corridas KING HEROD, ou simplesmente HEROD, de imenso valor. Nascido em 1758, criado pelo Duque de Cumberland, terceiro filho do rei King George II, o qual foi importante criador de cavalos em Newmarket e Hanover.

Por sua parte, HEROD, embora não tivesse se destacado como um grande corredor, projetou-se como um dos principais progenitores do Puro Sangue, engendrou outros ganhadores de 1042 corridas, avaliados coletivamente em mais de 200.000 libras esterlinas. Um de seus filhos HIGHFLYER teve o mesmo êxito como progenitor, pois dele saíram os ganhadores de 1108 corridas, que avaliados em 170.000 libras esterlinas, fizeram a fortuna de seu proprietário, Richard Tattersall. Esse homem, foi o fundador da famosa firma britânica de leiloeiros de exemplares de raça, cujas vendas em Newmarket, não cessaram de atrair compradores do mundo inteiro. Outros descendentes de HEROD foram DIOMED (ganhador do primeiro Kentucky derby em 1780) e ainda: SIR ARCHIE, THE FLYING DUTCHMAN e EPINARD, entre outros.

DARLEY ARABIAN nasceu em Aleppo (Síria) em 1700 e foi importado no reinado de Ana (1702-1714), tendo sido adquirido por um irmão de John Brewter Darley, criador em Aldby Park, perto de York. Em uma caçada que participou o irmão de John Brewter Darley viu um magnífico cavalo cujo proprietário o havia adquirido em Palmira, e sustentava ser da mais pura origem oriental da raça Kochiani. Formalizada a compra por certa quantia em dinheiro e mais um fuzil de guerra; DARLEY ARABIAN, que era então denominado de MANNICKA foi enviado para a Inglaterra em 1705, onde serviu éguas de pouco valor. O árabe DARLEY foi descrito por THOMAS DARLEY, Consul britânico em Aleppo, como um cavalo de “esquisita beleza”, de pelagem castanha e com altura de 1,52. Marcou firma com sua primeira geração de descendentes, pois gerou em 1715 a FLYING CHILDERS, o primeiro grande cavalo de corridas na plena acepção do termo, invicto em suas atuações, e através do irmão deste último, BARTLETT’S CHILDERS (incapacitado para as corridas por uma enfermidade nos vasos sanguíneos) se converteu no tataravô de ECLIPSE, possivelmente o cavalo de corridas mais famoso de todos os tempos.

Como reprodutor, ECLIPSE gerou 344 ganhadores e dele resultaram linhagens de capital importância no desenvolvimento da criação PSI. Um dos seus mais celebrados descendentes foi ST.SIMON, ganhador da Taça de Ouro de 1844 em Ascot. Nenhum outro conseguia aproximar-se dele nas pistas e sua prole ganhou 571 corridas só na Grã Bretanha, onde liderou a lista de reprodutores líderes de maneira nunca igualada. Dele descende um dos maiores cavalos modernos, o campeão italiano RIBOT, também invencível em grandes distâncias e duas vezes o ganhador do Prix de L’Arc de Triomphe.

A origem do terceiro garanhão fundador do cavalo Puro Sangue Inglês, o árabe/berbere GODOLPHIN BARB é ainda mais obscura que a dos outros dois anteriores e há três versões sobre a sua origem: uma delas de especial interesse, do novelista francês, Eugênio Sue, grande conhecedor em sua época de tudo relacionado ao cavalo de corrida. GODOLPHIN BARB, cujo nome de origem foi SHAMI, nascido por volta de 1724, integrava um lote de oito cavalos que o Bey de Tunis obsequiou a Luís XIV da França em 1731. O interesse inicial de Luís XIV e sua corte por tais cavalos caiu ante as suas formas angulosas, descarnadas acentuadas por uma longa e penosa viagem, e um aspecto geral que não correspondia ao tipo de animal em voga.

Finalmente os oito cavalos foram vendidos ou obsequiados, e entre eles SHAMI. Quando estava já com 5 anos foi levado da França para a Inglaterra, onde segundo se afirma, seu importador Edward Coke o descobriu puxando uma carroça de areia e água pelas ruas de Paris. Vendido, mais tarde por Coke a Lord Godolphin, dono do famoso Haras Gog-Magog em Cambridgeshire.

Outra história de sua origem, seria de que o Barbo, teria sido roubado por alguém e levado para a Inglaterra e alojado em uma mesma área de Lord Godolphin; o reprodutor chefe do Haras, Hogoblin recusou-se à monta na égua Roxana, que havia sido recentemente adquirida pelo Haras, e para não perder a oportunidade, foi então destinada a SHAMI. Deste serviço nasceu LATH (1733) um dos melhores cavalos de seu tempo. SHAMI, honrado posteriormente com o nome de seu proprietário desalojou Hogoblin e passou a cumprir as funções de pastor chefe do Haras.

A terceira e última seria que ao ser comprado por Mr. Coke, o qual o deu a Roger Williams, dono da Cafeteria St.James; Coke o teria comprado por 3 libras de um carroceiro em Paris. Williams o presenteou então a Lord Godolphin, e passou a servir no seu Haras vindo a morrer neste estabelecimento em 1753.